
AMAZÔNIA
Fonte: https://www.wwf.org.br/nossosconteudos/biomas/amazonia
A Amazônia é uma floresta tropical úmida que se estende pela bacia hidrográfica do rio Amazonas, uma vasta área tropical natural, com dimensão de aproximadamente 6,74 milhões km². Ela percorre oito países: Bolívia, Brasil, Colômbia, Equador, Guiana, Peru e Venezuela.
Para se ter uma ideia de sua grandiosidade, se a Amazônia fosse um país, seria o sétimo maior do mundo. É nela que vivem e se reproduzem mais de um terço das espécies existentes no planeta. A floresta abriga 2.500 espécies de árvores e 30 mil das cem mil espécies de plantas que existem em toda a América Latina.
Mas a Amazônia não é só floresta, é também o mundo das águas. Com mais de 6.400 quilômetros de extensão, o rio Amazonas é alimentado por muitos afluentes. Ele é também o eixo da bacia hidrográfica Amazônica e desce do alto dos Andes até o oceano Atlântico, onde deposita suas águas. As águas levadas pelo Amazonas ao mar equivalem a quase um sexto de toda a água doce que deságua nos oceanos do mundo.
Trata-se de um bioma extremamente complexo e dinâmico. A bacia hidrográfica é composta por uma variedade de paisagens e ecossistemas, que incluem florestas tropicais úmidas, florestas inundadas ou várzeas, savanas e uma rede intrincada de rios, lagos e igarapés.
Além disso, a Amazônia tem grandes estoques de madeira, borracha, castanha, peixe, minérios e outros, com baixa densidade demográfica (dois habitantes por km²) e crescente urbanização.
PORQUE A AMAZÔNIA É IMPORTANTE?
Há muito tempo, a Floresta Amazônica é reconhecida como um repositório de serviços ecológicos, não só para os povos indígenas e as comunidades locais, mas também para o restante do mundo.
Por falar em povos indígenas, cerca de 30 milhões de pessoas vivem na região. Nessa população, incluem-se mais de 220 grupos indígenas na Amazônia brasileira, além de comunidades tradicionais que dependem dos recursos naturais para sobreviver. No entanto, apesar de habitarem uma área com uma coleção fantástica de produtos e serviços naturais, muitas das populações locais continuam vivendo em relativa pobreza.
A biodiversidade presente na região amazônica também contribui para a fabricação de medicamentos, muitos dos quais podem ser encontrados na maioria dos lares brasileiros.
Além de toda a variedade de espécies, a importância do bioma está estritamente ligada à nossa qualidade de vida: ele é responsável pela filtragem e reprocessamento da produção mundial de gás carbônico (CO2).
As árvores desempenham um papel-chave na redução dos níveis de poluição. E, à medida que as florestas são queimadas ou retiradas e o processo de aquecimento da temperatura global é intensificado, o desmatamento da Amazônia gradualmente desmonta os frágeis processos ecológicos que levaram anos para serem construídos e refinados.
A vazão do Amazonas corresponde a 20% da vazão conjunta de todos os rios da terra. São nessas águas que podemos encontrar o maior peixe de água doce do mundo, o pirarucu. Ele atinge até 2,5 metros de comprimento, podendo chegar a 250 quilos.
Aproximadamente 17% da floresta amazônica original já foi destruída. Estudos apontam que se essa destruição chegar a 20% , o bioma atingirá um ponto de não retorno, perdendo a sua capacidade natural de se regenerar e se torna permanentemente degradado
Apesar de sua incalculável importância ambiental para o planeta (como o habitat de inúmeras espécies animais, vegetais e arbóreas, e como fonte de matérias-primas alimentares, florestais, medicinais e minerais), a Amazônia tem sido constantemente ameaçada por inúmeras atividades predatórias, entre elas a extração de madeira, a mineração, as obras de infraestrutura e a conversão da floresta em áreas para pasto e agricultura.
AMEAÇAS À FLORESTA AMAZÔNICA:
Por trás da destruição e da degradação ambiental da Amazônia, há uma série de problemas de ordem política, social e econômica. Entenda melhor as ameaças:
A Floresta Amazônica, tem uma função extremamente importante na redução dos níveis de poluição, como a causada pelas emissões de CO2, que se agravaram nos últimos 150 anos, com a queima de combustíveis fósseis, sendo uma das principais causas da emergência climática.
Em condições naturais, as plantas retiram o CO2 da atmosfera e o absorvem para fazer a fotossíntese. Nesse processo, as plantas obtêm o oxigênio, que é liberado novamente no ar, e o carbono, que é armazenado para permitir o crescimento das plantas. No entanto, quando as florestas são queimadas, a matéria de carbono da árvore é liberada no ar, na forma de CO2, poluindo ainda mais a atmosfera.
Uma das principais causas das queimadas é o expansão da fronteira agrícola, onde antes havia floresta tropical úmida e savanas, agora surgem pastagens para a criação de gado. A queima da vegetação normalmente ocorre depois das árvores serem derrubadas, para que o terreno fique limpo, para receber o pasto.
As culturas agrícolas que substituem as florestas absorvem apenas uma pequena fração do CO2 consumido pela floresta tropical úmida. Assim, ao mesmo tempo em que o bioma Amazônia está encolhendo lentamente em tamanho, a riqueza da vida silvestre de suas florestas também se reduz.
ESPÉCIES DO BIOMA
Da jiboia às formigas cortadeiras, passando pela piranha-vermelha, a vida silvestre da Amazônia existe em todas as formas e tamanhos. Seja nas alturas das copas das árvores da floresta tropical ou lá embaixo, no subsolo, a Amazônia é abundante em formas de vida.
Até o momento, já foram encontradas cerca de 40 mil espécies vegetais, 427 mamíferos (como a onça-pintada, o tamanduá e a ariranha), 1.300 aves (como a harpia ou gavião-real, o tucano e a cigana), 378 répteis (como a jiboia e a jararaca), mais de 400 anfíbios (como os sapos venenosos conhecidos como flecha-de-veneno) e aproximadamente 3 mil peixes de água doce, inclusive a piranha. Esses números são ainda mais impressionantes quando se referem às menores formas de vida: só no Brasil, os cientistas já fizeram a descrição de cerca de 100 mil espécies de invertebrados.
Mas por que tanta diversidade em um único lugar? Considere a vida no Ártico: as condições climáticas são intensas (é muito frio e há muito vento), a comida é escassa e é difícil encontrar lugares para se proteger dos predadores. Logo, não é difícil perceber que o Ártico não é o ambiente em que a vida silvestre pode florescer com mais facilidade.
Façamos agora um contraste com os trópicos: o clima é quente, mas suportável, a caça e a pesca são abundantes e existem vários ecossistemas onde a vida silvestre pode viver. Ao longo do tempo, esses fatores possibilitaram a adaptação das espécies às diferentes condições de vida e o desenvolvimento de habitats especializados, o que resultou na enorme riqueza de espécies em lugares como a Bacia Amazônica.
Entre os animais, o protagonista de muitas lendas da Amazônia é o boto-cor-de-rosa. Ele é também um indicador da qualidade da água e equilíbrio dos rios. Tem olhos bem pequenos e focinho alongado, mas sua simpatia não impede que ele sofra duas grandes ameaças: a pesca incidental e o isolamento das populações pela construção de hidrelétricas.
Outra espécie emblemática das matas brasileiras é a onça-pintada, o maior felino das Américas e muito importante para as ações de conservação. Por estar no topo da cadeia alimentar e necessitar de grandes áreas preservadas para sobreviver, a onça-pintada, ao mesmo tempo temida e admirada, é um indicador de qualidade ambiental. A ocorrência desses felinos em uma região indica que ele ainda oferece boas condições que permitam a sua sobrevivência. A destruição de habitats aliada à caça predatória faz com que essas populações venham sendo severamente reduzidas. É classificada pela IUCN (União Internacional para Conservação da Natureza) e pelo IBAMA como espécie vulnerável e está no apêndice I do CITES.
Pirarucu, conhecido como o gigante das águas doces, é um peixe nativo da Amazônia. Seu nome vem de dois termos indígenas: pira, “peixe”, e urucum, “vermelho”, devido à cor de sua cauda. Durante a seca, os peixes formam casais. Nesse período, o pirarucu macho aumenta a intensidade da coloração avermelhada nos flancos. Antes da fêmea depositar os ovos no leito do rio, o macho faz a limpeza da área e arranca, com as mandíbulas, raízes e galhos presentes no local escolhido. Em seguida, cava uma poça circular, onde a fêmea inicia a desova, para que seu companheiro possa fecundar os ovos. Durante a incubação, a fêmea permanece mais próxima do ninho, enquanto o macho nada nas redondezas para intimidar predadores que possam trazer perigo aos ovos. Os ovos eclodem após oito a 10 dias.
O pirarucu chega ao mercado em mantas, depois de passar por processo de salga ao sol. É conhecido também como o bacalhau da Amazônia devido ao sabor e qualidade da carne, quase sem espinhos. Enquanto espécie, corre risco de extinção devido à pesca predatória praticada ao longo de muitos anos, uma vez que a reprodução natural do peixe é insuficiente para repor o número de pirarucus pescados. A exploração não sustentável fez com que o IBAMA criasse, em 2004, uma Instrução Normativa que regulamenta a pesca do pirarucu na Amazônia, proibindo-a em alguns meses do ano e estabelecendo tamanhos mínimos para pesca e comercialização do peixe.
Ainda nas águas da bacia hidrográfica Amazônica, encontramos o peixe-boi-da-Amazônia. Existem quatro espécies de peixe-boi no mundo e essa é a única que vive apenas em água doce. Esses animais despertam o interesse de caçadores por sua carne farta e seu óleo. A caça ao longo dos anos diminuiu consideravelmente sua população.
O peixe-boi-da-Amazônia é um mamífero herbívoro – ou seja, se alimenta apenas de algas, aguapés e capim aquático. E a alimentação é feita principalmente na época chuvosa, quando há mais disponibilidade de plantas. Ele chega a passar até oito horas por dia comendo e pode consumir 10% de seu peso em um único dia. Toda essa comida é armazenada em seu corpo em forma de gordura, para suprir suas necessidades energéticas durante a estação seca, quando há menos comida. Quando as chuvas se tornam mais escassas, o peixe-boi-da-Amazônia sai dos pequenos igarapés, onde normalmente vive sozinho, para os grandes rios, onde se junta a grupos de quatro a oito indivíduos. Enquanto não está comendo, provavelmente está dormindo. Ele passa metade de seu dia dormindo dentro da água.
No que diz respeito às espécies vegetais, podemos destacar a monguba, também conhecida como mamorana, castanhola, cacau selvagem. Ela é uma árvore tropical e consegue sobreviver a climas úmidos e quentes. Pode chegar a 12 metros de altura e possui uma copa frondosa com flores amarelas e avermelhadas. Seu fruto tem um formato muito parecido com o cacau e suas sementes podem ser consumidas. Entre suas propriedades medicinais destacam-se seu poder antidisentérico (infecção intestinal), expectorante, adstringente (controla oleosidade), antifebril, além de possuir antioxidantes, proteínas e lipídios.
Outra árvore muito conhecida na Amazônia é a sumaúma, uma das mais altas árvores das florestas tropicais, chegando a 60 metros de altura e três metros de diâmetro do caule. Essas características deram a ela o apelido de “mãe da floresta” ou “escada para o céu”. Na floresta e sob boas condições, pode viver até 120 anos. A sumaúma prefere ambientes alagados, por isso ocorre com maior frequência em áreas de várzea e possui muita água em sua estrutura interna.
Sua raiz é chamada de sapopema e tem como principais características serem grandes, achatadas e ligadas ao tronco. Por seu tamanho, elas servem de abrigos para animais e plantas menores. Alguns povos originários batiam nas sapopemas para mandar recados, já que o golpe emite um enorme ruído que ecoa floresta adentro e servia para dar avisos como “estou chegando” ou “estou perdido”. A paina, uma espécie de algodão que envolve as sementes da sumaúma, é usada na indústria para fazer enchimento de colchões e travesseiros, assim como isolamentos térmicos. É considerada uma “prima próxima” do cupuaçu e do cacau.
AMAZÔNIA À BEIRA DO COLAPSO
Fonte: https://livingplanet.panda.org/pt-BR/amazonia_a_beira_do_colapso/
O desmatamento contínuo e em grande escala somado aos impactos cada vez mais graves da crise climática estão empurrando a Amazônia para um ponto de não-retorno que pode mudar a face do planeta.
A floresta amazônica abriga cerca de 10% de todas as espécies conhecidas na Terra – e inúmeras outras que ainda nem foram descobertas. Ela armazena cerca de 250-300 bilhões de toneladas de carbono – o equivalente a 15-20 anos de emissões globais de gases de efeito estufa – e produz chuvas que sustentam algumas das maiores e mais importantes cidades e áreas agrícolas do mundo. A Amazônia também é lar para mais de 47 milhões de pessoas, incluindo 2,2 milhões de indígenas e representantes de povos tradicionais, cujas culturas estão profundamente entrelaçadas com a floresta.
Cerca de um sexto da área original da floresta já foi desmatado, para dar lugar, principalmente, à pecuária e à agricultura. E uma área de tamanho semelhante foi degradada pela exploração madeireira, obras de infraestrutura, garimpo ilegal, incêndios e outras pressões humanas.
Ainda assim, é possível encontrar na Amazônia vastas paisagens intactas onde a natureza continua a prosperar e onde os povos indígenas vivem de maneira sustentável através dos recursos da floresta. Mas por quanto tempo mais?Cientistas temem que, à medida que os impactos combinados do desmatamento, da perda de biodiversidade e da crise climática se multiplicam, a Amazônia possa atingir um ponto de não-retorno que a mudará para sempre.
O efeito dominó na Amazônia
A chuva é um componente essencial de uma floresta tropical. A transpiração – vapor de água liberado pela superfície das plantas – recarrega as nuvens e cria a chuva que sustenta a vida na Amazônia. No entanto, o desmatamento e a degradação florestal reduzem a transpiração, o que significa menos chuva.
Isso cria um efeito dominó. À medida que a chuva diminui, as árvores transpiram menos, reduzindo ainda mais a disponibilidade de água. Com condições mais secas, mais árvores morrem e a floresta se torna mais suscetível ao fogo. A transpiração e a chuva diminuem ainda mais… e assim segue em um círculo vicioso.
Eventualmente, as condições ambientais em grande parte do bioma amazônico se tornariam inadequadas para uma floresta tropical. Os impactos seriam devastadores. A biodiversidade da floresta tropical seria perdida para sempre. Comunidades seriam deslocadas e o patrimônio cultural seria destruído. Os padrões climáticos mudariam em toda a América do Sul, prejudicando a produtividade agrícola e o fornecimento global de alimentos.
Uma mudança dessa magnitude também aceleraria a crise climática global, à medida que a Amazônia passaria de ser um sumidouro de carbono para uma fonte de emissões devido aos incêndios e à morte das plantas. Até 75 bilhões de toneladas de carbono poderiam ser liberadas na atmosfera, tornando impossível limitar o aquecimento global a 1,5°C.
Estamos próximos de um ponto de não-retorno na Amazônia? Vários estudos sugerem que esse ponto pode estar no horizonte se apenas 20–25% da floresta amazônica forem destruídos – um número perigosamente próximo. O ano de 2024 já trouxe mais incêndios recordes. De janeiro a setembro foram registrados cerca de 104.652 focos de incêndio no bioma, o pior resultadoo desde 2007 para esse período. Até 2050, é previsto que cerca de 47% do bioma amazônico provavelmente estará exposto a distúrbios simultâneos, incluindo aumento das temperaturas, secas extremas, desmatamento e incêndios.
AMAZÔNIA AMEAÇADA
Fonte: https://ispn.org.br/biomas/amazonia/ameacas-a-amazonia/
Pode-se pensar que pelas dimensões da Amazônia não haja ainda problemas com extinção de animais, no entanto, não é bem assim. Com toda a pressão que a floresta tem vivido, há um impacto direto no habitat dos animais e na disponibilidade de alimentos para eles. Foram contabilizadas 180 espécies ameaçadas de extinção¹. Considerando ainda que muitas espécies não foram sequer identificadas, conhecer e conservar o bioma é de fundamental importância para a manutenção da biodiversidade e para o sustento dos povos que ali vivem, de onde tiram alimentos, remédios e perpetuam sua rica cultura.
Em uma floresta tão grande, com árvores tão frondosas, fica difícil imaginar que sob ela encontra-se um solo frágil, cuja matéria orgânica provém da decomposição das folhas, galhos e troncos que ali caem. Isso faz com que o bioma tenha um equilíbrio sensível, vulnerável às interferências humanas. São vários os motivos que levam à acelerada degradação na Amazônia. A exploração desordenada de seus recursos, principalmente de madeira, a expansão da agropecuária e o garimpo vêm aumentando as áreas desmatadas.
O processo de desmatamento acarreta consequências negativas, como a diminuição da biodiversidade. Isso é problemático principalmente em áreas onde os ecossistemas naturais estão reduzidos e com alto grau de espécies que só existem naquele local, chamadas de endêmicas. Além disso, devido à retirada da floresta, há efeitos nocivos ao solo, que fica sujeito à erosão, compactação e perda de nutrientes, o que dificulta o processo de restauração natural, o que agrava ainda mais o problema.
Pesquisa do Prodes, divulgada em novembro de 2019, mostrou que o valor estimado de desmatamento foi de 9.762 km² para o período de agosto de 2018 a julho de 2019². O valor representa um aumento de 29,54% em relação à taxa de desmatamento apurada nos 12 meses anteriores que foi de 7.536 km². O mapa do desmatamento pode ser conferido no site Terra Brasilis³, um dos projetos de monitoramento da Amazônia do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).
De 2000 a 2005, o desmatamento acumulado na Amazônia abrangeu uma área de quase 860 mil km2, do qual quase 80% foi em terras brasileiras. Os fatores que levaram a esse número variam conforme o país, mas em geral estão associados, dentre outros: às pressões das atividades agrícolas e da extração de madeira (legal e ilegal); aos incêndios; ao uso dos recursos naturais (mineração e recursos florestais não-madeireiros); à construção de obras de infraestrutura, como rodovias e hidrelétricas; e ao crescimento demográfico⁴. Outros elementos que podem levar à degradação das florestas são a caça e a invasão de espécies exóticas, ainda mais difíceis de se mensurar.
Os incêndios na Amazônia chamaram a atenção em agosto de 2019, por somarem quase 31 mil focos. No entanto, dados do MMA apontam que de 2003 a 2006, foram registrados uma média de 24 mil focos de incêndios florestais por ano em toda a região amazônica. O fogo descontrolado em áreas florestais, pastos e áreas agrícolas, próximas ou distantes da Amazônia, é um problema grave⁵.
O bioma detém uma das últimas grandes reservas de madeira tropical do mundo. Infelizmente, a extração madeireira de florestas nativas tornou-se a principal atividade econômica em todos os estados da Amazônia Legal, ocupando a terceira posição na pauta das exportações brasileiras, vindo logo depois dos minérios⁶.
Em 2009, foram identificadas 2.226 empresas madeireiras em funcionamento na Amazônia Legal, responsáveis pela extração em torno de 3,5 milhões de árvores. Aproximadamente 47% dessa matéria-prima foi extraída somente no Estado do Pará⁷. Além do desmatamento ocasionado pelas empresas de extração de madeira, existe um número expressivo de exploradores ilegais desse recurso, que aumentam em muito o impacto da atividade sobre o bioma. Estima-se que 80% da extração anual de madeira da região seja de origem ilegal⁸.
As práticas agropecuárias são também apontadas como grandes responsáveis pelo desmatamento e pelos consequentes impactos no solo e na água, além da perda da biodiversidade. Na Amazônia, existem culturas de subsistência; cultivos de espécies voltadas para a agroindústria, como dendê, cacau, urucum, fibras, chá, café e, mais recentemente, a consolidação, liderada pelo Brasil, do complexo de grãos (soja, arroz, girassol, sorgo e milho), produtos que estão entrando gradualmente na Bolívia, e expandidos rapidamente para fronteira agrícola no interior da Amazônia⁹. Em relação à pecuária na Amazônia brasileira, houve um grande crescimento nos últimos anos. Para se ter uma ideia, em 1990 havia 26 milhões de cabeças de gado; em 2006, esse número subiu para quase 74 milhões.
Além disso, tem-se um incremento na produção de coca – e da cocaína – na Bolívia, Colômbia e Peru, cujos principais impactos são erosão de solos pelo manejo inadequado e pelo estabelecimento de culturas em áreas extremamente íngremes; invasão de áreas protegidas e destruição de ecossistemas únicos e de sua biodiversidade; e grave contaminação dos cursos de água pelo uso de grandes volumes de uma série de substâncias tóxicas utilizadas na fabricação da droga.
A exploração dos recursos naturais da Amazônia em territórios indígenas e de outros povos tradicionais, por exemplo, sem que as comunidades autorizem, é responsável por inúmeros casos de degradação, como desmatamento e incêndios florestais, além de ameaçar a segurança e sobrevivência desses povos. Segundo o Atlas de conflitos na Amazônia¹⁰ lançado em 2017, os casos de violência no campo têm aumentado muito no bioma. Em 2016, quase 80% dos assassinatos por conflito no campo no país ocorreram na Amazônia Legal. Esse dado pouco se alterou no ano seguinte.
O Atlas evidencia que esses conflitos têm relação com o avanço da fronteira agrícola, que ameaça a Amazônia desde a ditadura militar. Esse avanço envolve, além do desmatamento, a violência e a barbárie no campo. Pessoas oriundas de povos e populações tradicionais são assassinadas e há perda da biodiversidade, em virtude da ganância por recursos naturais e concentração de terras.
Além dessas problemáticas, há a construção de grandes projetos que avançam pelos rios, como as hidrelétricas. Considerada a última fronteira brasileira a ser desbravada no setor hidroelétrico, a Amazônia pode gerar mais de 121 mil MW, equivalentes a quase 49% do potencial do país. O Brasil é o único país amazônico com represas de grande porte, as de Tucuruí e Balbina⁴. Além disso, ainda estão previstas pelo menos 23 novas hidrelétricas (dentre as quais 7 estão localizadas em áreas intocadas)¹¹, além das seis já em construção na região. Além disso, outras 11 pequenas centrais hidrelétricas (PCHs) estão instaladas em rios amazônicos – cinco em obras e seis já outorgadas pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel).
São muitos os possíveis impactos socioambientais desses empreendimentos, desde sua construção à operação. No momento da construção é necessário represar grandes áreas, o que acarreta emissão de gases de efeito estufa, alterações na qualidade da água, perda de solo, fragmentação de habitats, perda da diversidade terrestre, perdas de monumentos naturais e históricos¹², inchaço de cidades e, ainda, o deslocamento de populações, o que pode trazer todo um prejuízo social e afetivo daqueles que há muitas gerações moram ou utilizam a localidade. Durante a operação pode haver impacto na fauna aquática, que muitas vezes encontra barreiras para sua locomoção pelo leito do rio, e ainda, caso haja problemas com o controle do fluxo, pode haver falta de água, alterando significativamente o equilíbrio socioambiental da região. A exemplo do ocorrido com a hidrelétrica de Belo Monte: em 2018 organizações indígenas denunciaram problemas de falta de água na região após a construção da barragem¹³.
Todos esses impactos mencionados atingem, inclusive, unidades de conservação e áreas tradicionalmente ocupadas, ameaçando todo um modo de vida sustentável e em relação harmônica e de respeito com o meio ambiente. São muitas as evidências de que ações humanas têm gerado consequências muito graves à Amazônia que, caso não haja medidas urgentes, muito possivelmente tenhamos que lidar com “prejuízos incompreensíveis para quem sempre foi provido de sombra e água fresca pela floresta”¹⁴. Prejuízos estes que certamente transpassam os limites do bioma e do país e se resumem a todo o planeta e a humanidade.
Referências:
(1) ICMBio. Livro Vermelho da fauna brasileira ameaçada de extinção. Brasília, DF: ICMBio/MMA, 2018. Disponível em www.icmbio.gov.br/portal/component/content/article/10187. Acesso em 21 jan. 2020.
(2) A Estimativa da taxa de desmatamento por corte raso para a Amazônia Legal em 2019 é de 9.762 km2. Inpe. São José dos Campos, nov. 2019. Disponível em www.inpe.br/noticias/noticia.php?Cod_Noticia=5294 . Acesso em 17 dez. 2019.
(3) INPE. Terra Brasilis PRODES. Mapa de desmatamento 2008-2018. Disponível em . Acesso em 17 dez. 2019.
(4) PNUMA/OTCA. Perspectivas do Meio Ambiente na Amazônia: Geo Amazônia. 2008. Disponível em www.mma.gov.br/estruturas/PZEE/_arquivos/geoamaznia_28.pdf. Acesso em 17 dez. 2019.
(5) KOREN et al, 2004, apud NOBRE, Antonio Donato. O futuro Climático da Amazônia. Articulação Regional Amazónica. em Disponível em www.socioambiental.org/sites/blog.socioambiental.org/files/futuro-climatico-da-amazonia.pdf, acesso em 17 dez. 2019.
(6) HOMMA, Alfredo Kingo Oyama. MADEIRA NA AMAZÔNIA: EXTRAÇÃO, MANEJO OU REFLORESTAMENTO? Amazônia: Ci. & Desenv., Belém, v. 7, n. 13, jul./dez. 2011. Disponível em . Acesso em 17 dez. 2019.
(7) SBF. A atividade madeireira na Amazônia brasileira: produção, receita e mercados. Serviço Florestal Brasileiro, Instituto do Homem (SFB) e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon) – Belém, PA: 2010. 20p. Disponível em www.mma.gov.br/estruturas/sfb/_arquivos/miolo_resexec_polo_03_95_1.pdf. Acesso em 17 dez. 2019.
(8) Madeira legal Vs. Madeira ilegal. Insfraestrutura e Meio Ambiente. Governo do Estado de São Paulo. Disponível em www.infraestruturameioambiente.sp.gov.br/madeiralegal/madeira-legal-vs-madeira-ilegal/. Acesso em 17 dez. 2019.
(9) PASQUIS, 2006. Soya en Bolivia, 2005; Sindicatos e Meio Ambiente na América Latina e o Caribe, 2005, Apud PNUMA/OTCA. Perspectivas do Meio Ambiente na Amazônia: Geo Amazônia. 2008. Disponível em www.mma.gov.br/estruturas/PZEE/_arquivos/geoamaznia_28.pdf. Acesso em 17 dez. 2019.
(10) CPT. Atlas de Conflitos na Amazônia. Articulação das CPT’s da Amazônia (Org.). Goiânia: CPT; São Paulo: Entremares, 2017. 104 p. Disponível em www.cptnacional.org.br/publicacoes/noticias/articulacao-cpt-s-da-amazonia/4200-atlas-de-conflitos-na-amazonia-e-disponibilizado-para-download. Acesso em 17 dez. 2019.
(11) CARVALHO, Cleide. Agência Nacional de Águas. Usina no coração da floresta. Publicado por O Globo: 23 de set. 2012. Disponível em www.ana.gov.br/noticias-antigas/usina-no-coraassapso-da-floresta.2019-03-15.0380411974. Acesso em 17 dez. 2019.
(12) UNK, Wolfgang J.; MELLO, J. A. S. Nunes de. Impactos ecológicos das represas hidrelétricas na bacia amazônica brasileira. Estud. av., São Paulo , v. 4, n. 8, p. 126-143, Abr. 1990 . Disponível em http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-40141990000100010&lng=en&nrm=iso. Acesso em 17 dez. 2019.
(13) Belo Monte pode deixar comunidades, animais e plantas do Xingu sem água para sobreviver. Amazônia Notícia e Informação. 21 de set. 2018. Disponível em . Acesso em 17 dez. 2019.
(14) NOBRE, Antonio Donato. O futuro Climático da Amazônia. Articulação Regional Amazónica. Disponível em www.socioambiental.org/sites/blog.socioambiental.org/files/futuro-climatico-da-amazonia.pdf, acesso em 17 dez. 2019.
Quais os impactos ambientais da perda da Floresta Amazônica?
A Amazônia, a maior floresta tropical do mundo e também um dos biomas mais diversos do planeta, está constantemente ameaçada por atividades humanas que degradam seus ambientes naturais. A grandeza da selva amazônica é equivalente a sua importância para o meio ambiente em escala global e a perda da vegetação nativa já traz impactos visíveis e preocupantes.
Quanto da Amazônia se perdeu?
O Projeto de Monitoramento da Amazônia Andina (Maap, na sigla em inglês), desenvolvido pela associação internacional Amazon Conservation Association (ACA), estima que a floresta perdeu 85 milhões de hectares (850 bilhões de km²) desde as primeiras ocupações europeias na América do Sul. Isso equivaleria ao desaparecimento de 13% da cobertura vegetal original.
A maior parte do desmatamento da Amazônia acontece na parcela brasileira do bioma (60% da floresta está no Brasil). Só em 2022, foram devastados 10.573 km² em território amazônico brasileiro, a maior destruição desde 2008, segundo o Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon).
O que o desmatamento da Amazônia causa?
Com o aumento da perda florestal, a Amazônia pode chegar ao que estudiosos chamam de “ponto de não retorno”, situação em que a floresta se degrada de tal maneira que não alcança mais a capacidade de se regenerar.
Um dos principais fenômenos decorrentes disso, segundo previsões do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), seria o processo de savanização da Amazônia, em que a floresta tropical úmida se transformaria em uma espécie de savana, parecida com o Cerrado brasileiro.
Não há certeza sobre o momento em que a floresta pode chegar a esse ponto – ou se ela vai chegar —, mas consequências da perda de umidade já são observadas.
Um estudo de 2021 publicado na revista científica Reviews of Geophysics revisou 30 anos de dados do ciclo hidrológico da Bacia Amazônica. A investigação mostra que, no norte da Amazônia, o período seco aumentou e a época de chuvas diminuiu. Já no sul, houve aumento de temperatura, redução da quantidade de chuvas e aumento do período seco.
Os impactos ambientais desse fenômeno incluem o aumento de enchentes (pois, com o aumento do período de estiagem, as chuvas se concentram em menos dias) e maior probabilidade de incêndios florestais.
A alteração no ciclo de chuvas da Amazônia impacta a pluviosidade no restante do continente americano. Por exemplo, a Amazônia é responsável por grande parte da água que chega às demais regiões do Brasil por meio dos chamados rios voadores (cursos d’água atmosféricos que carregam a umidade gerada na floresta e depois viram chuva).
Com isso, o aumento do período seco nos últimos anos em regiões centrais e do sul do país tem ligação direta com as mudanças na Amazônia.
Outro impacto do aumento do desmatamento na Amazônia é a perda de biodiversidade. Pesquisadores explicam que a biodiversidade do bioma é essencial para manter em equilíbrio todo o ecossistema que influencia na habitabilidade do restante do mundo.
Sem a diversidade de espécies, a função de regulação do clima realizada pela floresta fica comprometida.
Além disso, quanto mais floresta se perde, mais ela mesma contribui para as mudanças climáticas ao invés de mitigá-las. Segundo dados do Sistema de Estimativas de Emissões e Remoções de Gases de Efeito Estufa, ligado à rede de organizações Observatório do Clima, o desmatamento é responsável por mais de 40% das emissões brutas brasileiras de gases de efeito estufa, que são os principais causadores da mudança climática e que atinge todos o mundo.
Mata Atlântica
Fonte: https://www.nationalgeographicbrasil.com/natgeo-ilustra/mata-atlantica
Com a menor cobertura de vegetação original, a região litorânea onde deu-se início a colonização portuguesa é mais estudada por cientistas que a Amazônia.
“A golpes de machado, derrubam a árvore, à qual, depois de estar no chão, lhe tiram todo o branco; porque no âmago dêle está o Brasil”. A cena, descrita no livro Diálogos das grandezas do Brasil (1618), retrata a processo de exploração do pau-brasil, árvore endêmica da Mata Atlântica que batizou o país. De certa forma, o trecho é também uma síntese do que aconteceu com a própria Mata Atlântica. Devastada à exaustão desde o início da colonização portuguesa, a floresta tem a menor cobertura original de vegetação entre todos os biomas brasileiros – algo em torno de 8%. Inúmeras espécies da flora e fauna estão em risco de extinção, entre elas o próprio pau-brasil.
Mapa do bioma Mata Atlântica.
Presente em quase todo o litoral brasileiro, a Mata Atlântica tem a menor cobertura original de vegetação entre todos os biomas brasileiros – cerca de 8%.
O bioma ocupa 13% do território do país e se distribuía originalmente por uma faixa litorânea que ia desde o Piauí até o Rio Grande do Sul, incluindo áreas interioranas de Minas Gerais, São Paulo, Paraná e Santa Catarina. Ainda que a fauna da Mata Atlântica não tenha sido tão devastada quanto à da Caatinga, a vida animal do bioma corre um sério risco, como explica Mauro Galetti, professor da Universidade Estadual Paulista (Unesp), em Rio Claro (SP). “Fiz um censo de 600 km na Mata Atlântica e vi apenas 11 vezes o mono-carvoeiro”, diz ele. O nome é comum a duas espécies consideradas os maiores macacos das Américas: o muriqui-do-norte e o muriqui-do-sul, ambos endêmicos do bioma.
Galetti divide a Mata Atlântica em algumas regiões para relatar o estado de conservação da fauna. Do norte do Espírito Santo ao sul da Bahia, segundo ele, é possível encontrar uma fauna completa. Dali até o estado de São Paulo, o cenário também não é tão ruim, com poucas extinções locais de espécies. Para baixo, até o Rio Grande do Sul, a situação piora – ver uma anta, por exemplo, é raríssimo. A situação fica ainda mais crítica entre o norte da Bahia e o Piauí, onde o bioma encontra-se bastante fragmentado e, segundo Galetti, restaram apenas animais de pequeno porte, principalmente passarinhos.
O livro Revisões em Zoologia – Mata Atlântica, de 2018, traz o consenso de que a Mata Atlântica abriga o maior número de espécies endêmicas de aves no Brasil e é um dos ecossistemas mais diversos para este grupo em todo o planeta.Um dos valores oficiais utilizados pela ciência é de que o bioma apresenta 682 espécies de aves, sendo 199 delas endêmicas. No entanto, trabalhos de revisão científica divergem sobre o número. “Dentro desse cenário, as aves ilustram com notável precisão o fato de a Mata Atlântica ser apontada por diversas fontes e em diferentes contextos e escalas como um dos ecossistemas com a biodiversidade mais rica do mundo”, observa Galetti. Contudo, das 160 espécies de aves ameaçadas no Brasil, 98 vivem na Mata Atlântica.
“É o bioma com o maior número de espécies ameaçadas por área do mundo. Entre o norte do rio São Francisco, em Alagoas, e o Rio Grande do Norte, sobrou apenas 3% da área original”, explica o professor Luís Fábio Silveira, curador das Coleções Ornitológicas do Museu de Zoologia da Universidade de São Paulo. Silveira coordena um trabalho de pesquisa e conservação chamada de Centro de Endemismo Pernambuco. Por ali, são 38 espécies endêmicas, 12 delas ameaçadas de extinção. Uma chegou a ser extinta e só foi reintroduzida na natureza este ano: o mutum-de-alagoas, ave de penas pretas que pode ultrapassar os 90 cm de altura. “Se você entender o que acontece em Alagoas, é certamente o maior desastre ecológico que se viu no novo mundo”, diz ele.
Serpentes em risco
Uma das regiões mais afetadas é o entorno de Murici, cidade 53 km distante da capital Maceió, único local onde se encontra uma das cobras endêmicas mais ameaçadas da Mata Atlântica, a Bothrops muriciensis, uma espécie de jararaca. “Nós sabemos onde encontrar o bicho numa região menor que 15 km². Talvez seja a mais ameaçada do país por conta da intensa fragmentação do ambiente e da pressão muito grande”, detalha Otávio Marques, pesquisador do Instituto Butantan e um dos autores do guia ilustrado Serpentes da Mata Atlântica.
No livro, são descritas 142 espécies que ocorrem na faixa litorânea da Mata Atlântica. Dentro desse recorte, explica Marques, há um endemismo de 45%. Se considerados apenas os animais encontrados na Serra do Mar, a taxa sobe para 80%. “No norte, mais perto da Amazônia, há um compartilhamento maior de espécies. Aqui, nós temos particularidades como uma maior espécie de arborícolas, como cobras-cipó”, explica ele.
Entre as serpentes ameaçadas de extinção, vale citar o curioso caso de quatro espécies de jararacas encontradas apenas em pequenas ilhas. No litoral do estado de São Paulo, a Bothrops alcatraz é exclusiva da Ilha de Alcatrazes; a B. insularis, da Ilha da Queimada Grande; e a B. otavioi, da Ilha da Vitória. Em 2016, foi descrita a B. sazimai na Ilha dos Franceses, no Espírito Santo. “Esta, ao lado da muriciensis, talvez seja a mais ameaçada. As outras ilhas estão bem longe do continente, mas a Ilha dos Franceses está a apenas 4 km, qualquer um pode pegar um barco e ir”, diz Marques.
A extinção animal é problemática sob diversos aspectos. No caso de uma espécie de jararaca-ilhoa, é possível ressaltar a perda de diversas substâncias cujas potenciais aplicações ainda são desconhecidas. Marques ressalta que o captopril, medicamento mais popular para controlar a hipertensão, foi desenvolvido a partir do veneno de um tipo de jararaca. “Recentemente, uma colega do Butantan fez uma análise de eletroforese [separação de diferentes proteínas pelo peso molecular] e encontrou três grupos de proteínas que apenas a jararaca-de-alcatrazes possui e que podem ter propriedades importantes”, diz o pesquisador. “Então, estamos preservando em uma ilha uma molécula que no futuro pode ajudar o próprio homem.”
Pequenos e grandes primatas
Na Mata Atlântica, um dos números de espécies de mamíferos considerados é 279, com pelo menos 73 delas endêmicas. Dentro do grupo, a variedade de primatas salta aos olhos, como nota Sérgio Lucena Mendes, professor da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) e diretor do Instituto Nacional da Mata Atlântica. “Para mamíferos do porte dos primatas, a diversidade é grande, mas mais importante ainda é o endemismo”, diz ele. “A grande maioria dos primatas da Mata Atlântica só são encontrados na Mata Atlântica, e grande parte está ameaçada de extinção”. Ao todo, são 23 espécies registradas no bioma, 18 delas endêmicas, das quais 12 estão ameaçadas de extinção.
A área da Mata Atlântica concentra 70% da população brasileira, um dos motivos de ter sobrado apenas 12,4% da floresta original. Mas há um lado positivo, a maioria dos insitutos de pesquisa estão lá, o que faz dela o bioma tropical melhor conhecido pela ciência.
Entre os endêmicos, há dois gêneros inteiros de macacos que são apenas da Mata Atlântica: os micos-leões e os muriquis. “[Os muriquis] são macacos grandes para o padrão neotropical, com mais de 10 kg”, detalha Mendes. Já entre os simpáticos e pequenos micos-leões, são quatro espécies. A mais famosa delas é o mico-leão-dourado. Já o mico-leão-preto é encontrado apenas no interior do estado de São Paulo. Originalmente, o primata vivia entre os rios Tietê, Paranapanema e Paraná. Hoje, a distribuição é muito fragmentada, com o maior grupo dentro do Parque Estadual Morro do Diabo, em Teodoro Sampaio. Por lá, vivem 1,2 mil animais, de um total estimado em 1,5 mil na natureza.
“Eles sobrevivem realmente em áreas muito pequenas, onde às vezes não há outros primatas”, afirma a professora Laurence Culot, da Unesp de Rio Claro, que pesquisa a espécie. “Na verdade, o mico-leão-preto foi considerado extinto durante 65 anos, até ser redescoberto na década de 1970.” Culot observa que há grupos que chegam a ocupar matas ciliares com apenas 30 metros de largura. Como se não bastasse a área restrita, a espécie ainda sofre com o rareamento do seu dormitório preferido: árvores grandes com ocos formados por outros animais, como peroba-rosa e ipês rosa e amarelo.
Além de afetados diretamente pelo intenso desmatamento, os primatas de maior porte, como bugios, foram caçados por conta da carne. Bichos menores, como micos-leões, sofrem até hoje com o tráfico de animais para serem mantidos em cativeiro – desde o século 16, eles já eram levados para a Europa. Para piorar, surtos de doenças como a febre amarela devastam grupos populacionais por onde passam. “Parece que a febre amarela já teve um impacto grande sobre algumas populações na primeira metade do século 20, era um fator que já não esperávamos mais”, explica Mendes. “Agora temos o bugio-marrom, uma espécie que ocorre ao longo de toda a Mata Atlântica, em uma situação crítica por causa do impacto da doença. A espécie era abundante e desapareceu.”
Gigantesco jardim tropical
Assim como o Cerrado, a Mata Atlântica é um hotspot de biodiversidade – ou seja, um bioma com quantidade notável de espécies e em estado crítico de conservação. Para a flora, são conhecidas cerca de 20 mil espécies, com uma taxa de endemismo que, a depender da fonte, varia entre 45% e 50%. Para se ter uma ideia, tal percentual é maior do que o da Amazônia, que tem pouco mais de 14 mil em uma área quatro vezes maior. Essa discrepância, no entanto, é explicada pela intensidade de estudos científicas conduzidas nos dois biomas. Enquanto na Amazônia há um vazio de conhecimento, a Mata Atlântica concentra 70% da população brasileira e uma parcela significativa das principais instituições de pesquisa do país.
“A Mata Atlântica é o bioma tropical mais conhecido do mundo em termos científicos”, diz Mauro Galetti, um dos responsáveis por disponibilizar uma série de bancos de dados sobre a biodiversidade do bioma de forma gratuita na revista Ecology. “E 95% desse conhecimento foi gerado por brasileiros com dinheiro do Brasil, principalmente da Fapesp e CNPq.”
A diferença entre as duas florestas, é claro, não fica restrita ao patamar de conhecimento científico. “A Mata Atlântica é um jardim tropical onde cada centímetro quadrado tem uma bromélia ou uma orquídea ou um musgo”, nota Galetti. Na Amazônia, por outro lado, a paisagem é menos colorida. Os dados do Flora do Brasil confirmam o cenário descrito. Na Mata Atlântica, são listadas 1,5 mil espécies de orquídeas e 920 de bromélias, respectivamente o dobro e o triplo dos números encontrados na Amazônia.
“A Mata Atlântica tem um relevo mais heterogêneo e uma variabilidade maior. A questão do relevo é importante porque existem entradas de luz vindas de todos os lados, um prato cheio para epífitas [plantas como samambaias, bromélias e orquídeas], que conseguem captar luz e chuva mais facilmente”, explica Renato Lima, pesquisador do Centro de Biodiversidade Naturalis, em Leiden, na Holanda. Lima trabalha em uma lista atualizada das espécies arbóreas da Mata Atlântica, com ênfase em entender quantas delas são endêmicas e, mais importante, quantas estão ameaçadas de extinção. De acordo com ele, são cerca de cinco mil tipos diferentes de árvores encontradas no bioma, com endemismo em torno de 45%. O número de espécies ameaçadas, no entanto, ainda não foi determinado. Mas elas são muitas, sendo o pau-brasil o exemplo mais fácil. O palmito-juçara, apesar de não ser endêmico, é outra árvore comum de ser encontrada no bioma. O curioso é que mesmo capaz de tornar-se abundante de maneira rápida, ele também corre risco, assim como a araucária, um tipo de pinheiro encontrado no Sul do Brasil, e a samambaia-açu, mais conhecida como xaxim.
Desmatamento em queda
A boa notícia é que a destruição da Mata Atlântica tem desacelerado. O Atlas da Mata Atlântica, projeto da Fundação SOS Mata Atlântica e do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), mostrou que, entre 2017 e 2018, o bioma atingiu o menor índice de desmatamento dos últimos 30 anos – 113 km, 9,3% a menos que no período anterior.
“Existem variações ao longo do gradiente Nordeste e Sul do Brasil, mas os próprios dados do Inpe indicam uma recuperação da Mata Atlântica maior que a perda nas últimas décadas”, diz Sérgio Lucena, da Ufes. “Claro que as matas que sobraram foram, em geral, bastante impactadas, mas nos últimos anos muitas terras foram abandonadas, então vivemos um processo diferente do passado, e diferente também do Cerrado e da Amazônia, fronteiras agrícolas que estão sendo desbravadas agora.”
Essa boa notícia, contudo, vem com um asterisco. “Se fosse para ser bem pragmático, esperaria que tivesse desmatamento zero hoje”, defende Lima. Mesmo nas regiões em recuperação, explica o pesquisador, é difícil esperar que a complexidade de espécies volte ao patamar original. “Nem sempre a biodiversidade prévia se restabelece, nem a funcionalidade da floresta, com sua complexidade de interações, volta a ser como antes.”
Em resumo, cortar a floresta na expectativa de recuperá-la no futuro é um grande tiro no escuro. “A natureza não veio com manual de instrução. Estamos entendo agora um pouco do papel de cada peça”, diz Mauro Galetti. Animais de grande porte, como onças, antas, muriquis e queixadas desempenham papéis fundamentais no funcionamento da floresta e a perda deles traz consequências para a continuidade desses ecossistemas, que, por sua vez, impactam nossa própria qualidade de vida. “Muita gente acha que estamos protegendo os bichinhos porque são bonitinhos”, continua Galetti, “mas os cientistas buscam proteger e entender os animais porque eles têm um papel essencial na natureza.”
BIOMA MAIS DEVASTADO: MATA ATLÂNTICA LUTA PARA MANTER A BIODIVERSIDADE
Fonte: https://www12.senado.leg.br/noticias/infomaterias/2024/01/bioma-mais-devastado-mata-atlantica-luta-para-manter-biodiversidade
Com histórico de devastação iniciado logo após a chegada dos colonizadores europeus, há mais de 500 anos, a Mata Atlântica tornou-se o bioma brasileiro com os piores índices de conversão da cobertura vegetal original e consequente perda de biodiversidade. Nada menos que 71,3% das áreas de florestas tropicais nativas, conforme dados do Instituto Nacional de Pesquisa Espaciais (Inpe), já foram desmatadas para exploração durante diversos ciclos econômicos (como pau-brasil, cana-de-açúcar, ouro e café), expansão da ocupação urbana (no bioma vivem cerca de 70% dos brasileiros, aproximadamente 145 milhões de pessoas), construção de ferrovias e rodovias e avanço da agropecuária.
De acordo com o Ministério do Meio Ambiente e Mudanças Climáticas (MMA), a Mata Atlântica detém a segunda maior biodiversidade das Américas, perdendo apenas para a Amazônia. Apesar de ser o único bioma a usufruir de uma norma específica — a Lei da Mata Atlântica (Lei 11.428, de 2006) — e ser considerada patrimônio nacional pela Constituição Federal, como um grande centro de espécies endêmicas (que só ocorrem na região), a floresta continua em risco.
Estudo divulgado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) aponta que, de 11,8 mil espécies de animais e plantas da Mata Atlântica avaliadas em 2022, 24,1% (2.845) estavam ameaçadas. O percentual continua crescente (em 2014, era de 22,3%) e é bem superior aos dos demais biomas: no Cerrado, por exemplo, onde a situação também é crítica, os índices ficaram na casa de 16% nos dois anos comparados.
Tema da quarta publicação da série “Biomas”, da Agência Senado, a Mata Atlântica se espalha pelo maior número de regiões brasileiras: está presente em 3.429 municípios de 17 estados, sendo 100% dominante no Espírito Santo, Rio de Janeiro e Santa Catarina e em 98% do Paraná. Ocorre ainda em Minas Gerais, São Paulo, Rio Grande do Sul, Mato Grosso do Sul, Goiás e oito estados do Nordeste: Bahia, Sergipe, Paraíba, Alagoas, Pernambuco, Rio Grande do Norte, Ceará e Piauí. A área original do bioma no Brasil é 1,1 milhão de quilômetros quadrados, mas também há uma pequena porção na Argentina e no Paraguai.
Apenas 12% bem preservados — As florestas da Mata Atlântica foram as mais devastadas do país e hoje o bioma conta com apenas 12% de florestas bem preservadas e maduras, em relação à cobertura florestal original. Sob o ponto de vista ecológico, uma perda de área nessa magnitude significa uma tragédia em termos de conservação da biodiversidade e manutenção de processos naturais vitais e dos quais nós dependemos, como ciclo das águas, regulação do clima local e regional, formação e preservação de solos e equilíbrio de processos ecológicos como polinização, dispersão de sementes das florestas e controle de pragas — afirma o consultor legislativo do Senado Matheus Dalloz.
Um recente alento foi registrado com a divulgação, pelo Sistema de Alertas de Desmatamento Mata Atlântica (o SAD, parceria da Fundação SOS Mata Atlântica com a rede colaborativa MapBiomas e a ArcPlan), de queda de 59% no desmatamento do bioma nos primeiros oito meses de 2023, em comparação com igual período do ano anterior. De janeiro a agosto do ano passado, foram derrubados 9,2 mil hectares, contra 22,2 mil do mesmo período de 2022. Um alívio, após quatro anos de crescimento contínuo da devastação.
— Houve uma queda abrupta em 2023 (ainda com dados parciais, de janeiro a agosto), quando o desmatamento caiu 59% na maior parte do bioma. Mas nos enclaves da Mata Atlântica no Cerrado e na Caatinga houve até um aumento. Estamos numa nova fase de reversão da tendência do desmatamento. Esperamos que a Mata Atlântica possa ser o primeiro bioma a alcançar o desmatamento zero nos próximos anos — diz o diretor-executivo da Fundação SOS Mata Atlântica, Luís Fernando Guedes Pinto.
Ter uma lei específica para o seu uso, conservação e restauração é muito importante e representa “uma conquista enorme”, segundo Pinto. Ele atribui à lei parte da força que promoveu a redução drástica do desmatamento, que até o início dos anos 2000 chegou a alcançar uma média de 100 mil hectares por ano. O número assumiu então um processo de reversão, chegando a 10 mil hectares/ano em 2017, mas voltou a subir para cerca de 20 mil/ano entre 2019 e 2022. Para o diretor da Fundação, o retorno do funcionamento da política ambiental brasileira, da maior fiscalização pelos órgãos ambientais, o embargo de áreas desmatadas, a aplicação da Lei da Mata Atlântica e também o corte do crédito rural para desmatadores ilegais colaboraram para um novo declínio da devastação no ano passado.
— A Lei da Mata Atlântica poderia ser aprimorada, mas o mais importante agora é mantê-la, pois tem sido atacada. Precisamos manter sua integridade e a garantia de que ela continuará a existir e continuará a ser aplicada. Ela não tem sido aplicada corretamente por órgãos ambientais estaduais, principalmente nessas regiões onde a Mata Atlântica está encravada na Caatinga e no Cerrado — afirma o diretor da SOS Mata Atlântica.
Ocupação desordenada
O consultor legislativo Dalloz também reconhece a importância de se ter e manter uma lei específica de proteção — o que, a seu ver, não deveria estar restrita à Mata Atlântica, mas também aos demais biomas.
— Infelizmente, todos os biomas brasileiros passam por um processo de ocupação desordenada, com exploração não sustentável e degradação dos ecossistemas, mesmo que cada bioma tenha suas próprias particularidades em termos de história natural e de ocupação humana. A realidade de crescimento da economia e da sociedade em descompasso com a proteção do meio ambiente aconselha, com alguma urgência, discussões de medidas legislativas e implementação de instrumentos de planejamento de uso do solo (como o zoneamento ecológico-econômico) a fim de estabelecer e orientar como o país pode se desenvolver, em cada uma dessas áreas, de maneira sustentável e com respeito às nossas riquezas naturais.
Para o senador Fabiano Contarato (PT-ES), o Estado tem o dever de zelar pelo cuidado e pela segurança dos biomas, mas a população precisa entender que esse também é um dever individual:
— É não jogando lixo nas matas, não desmatando, não destruindo, não invadindo. Temos a nossa responsabilidade em cuidar da preservação ambiental, sempre lembrando que essa é uma missão global e de garantia da vida humana. Esse alerta merece ainda mais destaque para as empresas e agentes do setor produtivo, que utilizam grandes quantidades de recursos naturais em seus processos produtivos e podem influenciar diretamente a cadeia de consumo.
Biodiversidade sob pressão
Formada em sua maioria por florestas tropicais, a Mata Atlântica — cujo dia é celebrado em 27 de maio — proporciona algumas das paisagens mais belas e cênicas ao longo da costa brasileira. Esse rico ecossistema, assim como o Cerrado, está sendo classificado como um hotspot por deter uma grande biodiversidade, altamente ameaçada pela ação antrópica. O bioma é o mais estudado cientificamente entre os ecossistemas brasileiros e abarca o maior número de espécies conhecidas, seja na flora ou fauna.
Bastante heterogênea, a Mata Atlântica tem vegetações moduladas por aspectos de relevo, da paisagem e do clima. Além das florestas, é possível desfrutar da vista das formações de restinga (linha de praia), manguezais, campos rupestres, campos de altitude, entre outras.
Numa altitude um pouco mais elevada e mais restrita às montanhas, em um clima úmido, estão as florestas ombrófilas, ou seja, “amigas da chuva”. Já a formação de platô é geralmente mais encontrada no interior do país, onde a altitude é mais baixa em relação às matas do litoral e onde também se registram períodos de seca, quando muitas das árvores perdem parte de suas folhas.
Conforme levantamento oficial do Instituto de Pesquisas do Jardim Botânico do Rio de Janeiro (braço do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima responsável pelo registro nacional) há cerca de 21,2 mil espécies de flora e funga (fungos) catalogadas no bioma, dos quais 10,5 mil seriam endêmicas do Brasil.
De acordo com a Fundação SOS Mata Atlântica, apenas 13% do bioma está inserido em diferentes tipos de áreas de proteção, sendo que somente 9% são dedicados exclusivamente à conservação.
Recém-descoberta e já em risco
Recentemente, uma nova espécie de árvore endêmica foi descoberta no Parque Estadual do Itacolomi, em Ouro Preto (MG), uma unidade de conservação de 7 mil hectares, protegida pelo Instituto Estadual Florestal de Minas Gerais (IEF).
Biólogo e mestrando em Botânica do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo (USP), Danilo Zavatin é o pesquisador líder da descoberta, que também teve parceria do Instituto Tecnológico Vale e da Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop). Ele não buscava essa espécie, mas outra, quando a descobriu e depois a nomeou de Mollinedia fatimae. Zavatin a identificou pelas características das plantas pertencentes ao seu grupo de estudo.
— A planta já havia sido coletada, mas nunca identificada. Porque geralmente quem coleta não conhece. E aí, só deposita lá na instituição. E ela não tem um nome, ou recebe o nome de uma outra planta, mas não é ela — expõe o pesquisador da USP.
Foram encontrados no parque apenas pouquíssimos exemplares da árvore, que pode atingir dez metros de altura. Mal foi descoberta, a Mollinedia fatimae já pode ser considerada ameaçada de extinção, segundo o coautor do estudo, o biólogo e pesquisador Renato Ramos, que explica a classificação da espécie na categoria “criticamente em perigo”:
— O desmatamento da Mata Atlântica já avançou muito ali. Minas Gerais foi, muitas vezes, um dos três estados com maiores índices de desmatamento; agora vem baixando. O que mais nos preocupa ali com relação a essa espécie é estar no limite de dois tipos de vegetação: de campo e de floresta. E o que ocorre é que o campo pega fogo. E quando começa a ampliar demais os incêndios, essa formação de campo vai começar a invadir a floresta — diz Ramos, que atua no Planejamento Territorial do Espinhaço Mineiro e no Instituto Tecnológico Vale.
Com a possibilidade de queima da borda da floresta, diante da intensificação de incêndios, como os registrados em anos anteriores, a espécie poderá perder seu habitat, já que possui uma área de ocorrência muito restrita. Segundo Ramos, há que se levar em consideração ainda aspectos relacionados à mudança do clima e, especificamente neste ano, os efeitos do El Niño.
Avanço da ocupação
Pesquisador em várias regiões da Mata Atlântica, Danilo Zavatin declara se assustar com a realidade que encontra em algumas regiões, como no Espírito Santo.
— Fiquei impressionado, porque o Espírito Santo está tendo uma retração da Mata Atlântica muito agressiva. Nas reservas se consegue segurar bem o avanço, mas terminou a reserva, já é desmatamento puro. Na região do Espírito Santo está havendo um loteamento muito forte para construção de condomínio, que eu vejo com muita intensidade. O café também tomou conta geral. Eu fiquei impressionado que eles consigam desmatar até nos lugares quase verticalizados e plantar café nesses lugares — afirma Zavatin.
O pesquisador Renato Ramos alerta que é preciso que haja novas propostas para a Mata Atlântica e recuperação das regiões já degradadas. Ele destaca que, somente em Minas Gerais, 30% das áreas de pastagem estão em péssimas condições e nem sequer servem para manter o gado atualmente; por isso, não pode mais ser aceitável qualquer tipo de conversão para esse fim, para a agricultura ou silvicultura.
— A principal ameaça à Mata Atlântica ainda é o desmatamento. O que a gente observa é perda de biodiversidade, uma grande parcela das espécies ameaçadas de extinção. Isso é muito emblemático. Muita coisa já se perdeu e talvez a gente não vá conseguir reconstruir por falta de dados, de informação, como as relações ecológicas. Hoje a Mata Atlântica está extremamente fragmentada, e esses fragmentos de floresta se encontram em um estado de conservação variável.
Os pesquisadores apostam na recuperação da floresta atlântica como uma das possibilidades de ampliar estoque de carbono, principalmente com investimentos nos grandes espaços extremamente degradados.
Fonte de água potável
É preciso lembrar ainda que na Mata Atlântica estão algumas das maiores bacias hidrográficas brasileiras, que asseguram água potável a uma grande quantidade de cidades do país. Há preocupação com a baixa cobertura vegetal de algumas bacias, o que afeta a produção de água. Levantamento da rede colaborativa MapBiomas apontou, por exemplo, que a bacia do Paraná teve a cobertura nativa reduzida de 24%, em 1990, para 19% em 2020.
— Quando falo de biodiversidade, sempre falo de água. Precisamos proteger a serra não só pelas plantas, mas também pelas nascentes. As águas límpidas, maravilhosas, saem da serra. Então olhe para a Mata Atlântica e para a recuperação da floresta, que é pensar no conjunto de serviços ecossistêmicos. E recuperar a floresta permite melhorar a condição do solo, permite melhorar a qualidade e a quantidade de água disponível e também a produtividade, na medida em que você está trazendo esse serviço de polinização e de combate à praga, ampliando toda a biodiversidade — completa Renato Ramos.
Animais ameaçados
Bastante representativos da fauna brasileira, muitos animais da Mata Atlântica estão há décadas na lista dos ameaçados. É o caso do simbólico mico-leão-dourado, que esteve à beira da extinção quando reduzido a uma população de aproximadamente 200 indivíduos na década de 1970 e atualmente aparece na lista do Sistema de Avaliação do Risco de Extinção da Biodiversidade (Salve), do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), como “em perigo”.
Esses pequenos e simpáticos primatas de cor chamativa podem se alimentar de mais de 60 tipos de plantas e contribuir para a dispersão de suas sementes nos ambientes em que vivem. Graças a esforços de conservação da espécie, o número de exemplares atualmente é pelo menos 15 vezes maior, mas ainda não suficiente para afastá-los dos ameaçados de extinção.
Para a analista ambiental do IBGE Angelita Coelho, o estudo do instituto que apontou quase um quarto das plantas e animais do bioma em situação de ameaça é importante para se “saber onde se está e o que é preciso ser feito quando se pensa em políticas públicas”.
— Se a gente compilou fauna e flora juntos, comparando 2014 com 2022, um gestor consegue juntar num lugar só essas informações e pensar em políticas públicas para tentar melhorar nossos processos de preservação e conservação — diz Angelita.
De acordo com o sistema Salve, das atuais 6.387 espécies avaliadas (todos os vertebrados e alguns invertebrados), 561 estão em categorias de ameaça, sendo que cerca de 330 delas são endêmicas. A lista de espécies ameaçadas na fauna é 2,5 vezes maior que a da Amazônia.
São 168 na categoria “criticamente em perigo”, 205 “em perigo” e 188 em “vulnerável”. Entre eles, estão espécies como grazina-de-trindade, albatroz-gigante, pica-pau-amarelo, sapo-de-chifres, jararaca-ilhôa, bugio, mico-leão-da-cara-preta e da cara-dourada, macaco-prego, morceguinho-do-cerrado, gato-do-mato, tatu-canastra, anta, tamanduá-bandeira e onça-pintada.
— O número de espécies ameaçadas no bioma, tanto de plantas quanto animais, tem aumentado, porque a pressão sobre a floresta é enorme. Estamos perdendo floresta mesmo tendo áreas de restauração e recuperação, e para a Mata Atlântica o grau de ameaça é muito grande, o grau de espécies endêmicas é muito alto. Ainda descobrimos novas espécies, há relatos constantes de novas espécies de plantas e animais sendo descobertas, mas o nível de risco de extinção é enorme, e a gente pode estar extinguindo várias espécies sem nem saber que elas existem — afirma o diretor do SOS Mata Atlântica.
‘Efeito de borda’
Um dos principais riscos para as espécies da fauna é a destruição e degradação dos habitats. Artigo já publicado na revista científica britânica Nature apontou que o efeito de borda — quando as características de outro ambiente penetram na floresta até uma certa distância — tem impacto nos vertebrados que vivem nas florestas.
Um dos autores do estudo, o professor em Ecologia da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS) Danilo Ribeiro explica que a maioria das espécies é afetada, e a tendência de perda de floresta em todo o mundo torna isso ainda mais preocupante.
Quando há a transformação para outro tipo de cobertura vegetal, como pasto ou campo, ocorre a diminuição da quantidade local de floresta e, consequentemente, o que era bloco único acaba sendo fragmentado. Essa fragmentação leva ao aumento do efeito de borda, ou seja, enquanto no interior da floresta os animais convivem com um ambiente mais úmido, fresco, escuro ou sombreado e mais protegido do vento, na borda eles encontram um clima mais seco, quente e com mais claridade.
E as características serão diferentes a partir da distância do limite da floresta para dentro: com uma distância de 50 metros, por exemplo, há uma realidade; com outro ponto mil metros para dentro, a situação do habitat já é outra. O estudo mostrou que o ambiente mais ideal para muitos animais está mais próximo do núcleo da floresta, e não da borda.
— Quando você vê uma área de floresta, na verdade não se tem toda aquela área como habitat para uma espécie florestal. Na Mata Atlântica, por exemplo, a maior parte ocorre em fragmentos. Então, a área real que se tem para esses organismos usarem é menor do que se vê. Tem que considerar esse impacto que acontece na borda — explica o professor Ribeiro.
Para a publicação do estudo, os pesquisadores analisaram 22 pontos distribuídos em várias regiões do mundo (entre eles, 2 na Mata Atlântica e 3 na Amazônia). Em 2017, apenas 30% dessas florestas tinham o seu núcleo a mais de mil metros da borda, o que é preocupante, já que os cientistas perceberam que, em média, os animais sofrem o efeito de borda a uma distância aproximada de 100 a 400 metros, sendo que para alguns pode chegar a um quilômetro de distância.
O professor Ribeiro também alerta para os impactos das mudanças climáticas globais nos animais:
— Porque você tem as condições para uma espécie ocorrer e, muitas vezes, só ocorre naquela determinada área. Quando você muda essas condições, aquela espécie não pode mais sobreviver naquela área e ela não ocorre mais em outro lugar, devido à perda de habitat. Então ela pode se extinguir por consequência das mudanças climáticas e da perda de habitat — explica o pesquisador da UFMS.
Sistema Costeiro-Marinho
A Mata Atlântica e o Sistema Costeiro-Marinho, que também aparece na Constituição como patrimônio nacional, estão intrinsicamente ligados. De acordo com o IBGE, o bioma, que possui a maior extensão de costa no país, abriga 20% desse sistema.
Em sua parte continental, o Sistema Costeiro-Marinho não ocupa mais do que 1,7% do território nacional, e a parte terrestre representa 6,27% de sua área total. O estudo do IBGE apontou que havia, em 2022, 2.286 espécies da fauna catalogadas e que, entre elas, 48 estavam “criticamente em perigo”, 37 “em perigo” e 85 foram classificadas como “vulnerável”. Contudo, a analista ambiental do IBGE Angelita Coelho afirma que há muita dificuldade de obtenção de dados na região marinha.
— Há muito mais conhecimento sobre a parte terrestre do nosso território do que do mar. Isso indica que temos de ter mais trabalhos voltados para o mar brasileiro, para a nossa biodiversidade marítima. Estamos na Década dos Oceanos, assim declarada pela Organização das Nações Unidas (ONU), e um dos objetivos é justamente aumentar o número de pesquisas no mar, ainda bastante desconhecido no mundo todo e no Brasil também — expõe Angelita.
A fauna marítima tem sido bastante impactada pela poluição dos mares e os efeitos das mudanças climáticas. O aumento da temperatura nos oceanos já causa problemas sérios como o branqueamento dos corais.
— Temos perdido grandes quantidades de corais por conta do aumento das temperaturas na água, o que muda as concentrações de oxigênio e outros gases que há na água. Isso mata os corais. Impacta toda a cadeia de vida que depende dos corais, que seriam equivalentes à mata atlântica dos mares — diz o professor da UFMS Danilo Ribeiro.
Uma das ameaças mais contumazes às espécies é a pesca, segundo o coordenador de Avaliação do Risco de Extinção das Espécies da Fauna (Cofau) do ICMBio, Rodrigo Jorge.
— Há dois tipos de impacto da pesca: em alguns casos, temos espécies que são de interesse diretamente da pesca, que tem um valor comercial. Por outro lado, as técnicas de pesca em geral, principalmente industrial, não são seletivas, não são específicas de espécies, então se tem o problema da captura incidental — diz o coordenador.
Um grupo que é muito afetado pela captura incidental são os tubarões. Há uma proporção considerável de espécies de tubarão ameaçadas de extinção, principalmente as mais longevas.
— Essas espécies têm uma demora na maturação reprodutiva e muitas delas têm agregações reprodutivas, ou seja, se juntam na época de reprodução. E uma agregação reprodutiva acaba sendo alvo de pesca, são muitos indivíduos que são retirados e o impacto é enorme. Por mais que seja da vontade de muitos conservacionistas, a gente não pode causar uma restrição na atividade pesqueira, o que vai gerar um impacto na economia do país e na vida das pessoas. Temos que ter muitos cuidados com as medidas tomadas. Mas, por outro lado, temos sim de tomar medidas no caso de espécies enquadradas nas categorias de ameaçadas de extinção — afirma Rodrigo Jorge.
Isso é tanto de interesse da conservação da biodiversidade das espécies do país e do mundo como de interesse da própria indústria pesqueira, segundo o coordenador do ICMBio, “porque não se quer que as espécies se extingam, que colapsem”.
Plano nacional de ação
Uma tentativa de frear o avanço na devastação da floresta pode surgir neste ano. O governo federal promete lançar no fim do primeiro semestre de 2024 o Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento da Mata Atlântica. O processo de elaboração, segundo o Ministério do Meio Ambiente e Mudanças do Clima (MMA), inclui um seminário técnico-científico sobre as causas do desmatamento no bioma, além de reuniões com parceiros que podem auxiliar no desenvolvimento da iniciativa.
O plano deverá estabelecer metas para contenção do desmatamento no bioma e prever “atividades produtivas sustentáveis, monitoramento e controle ambiental, ordenamento fundiário e territorial e instrumentos normativos e econômicos”. A política deve seguir os moldes do plano que já foi feito para a Amazônia, em 2004 (o PPCDAm, considerado responsável pela significativa queda do desmatamento na região nos anos posteriores), e para o Cerrado, no ano passado. Os demais biomas (Pampa, Pantanal e Caatinga) também devem ser contemplados com planos específicos.
Em uma linha de retomada da proteção socioambiental e de cumprimento de metas de combate às mudanças climáticas, o Executivo também promete investir em concessões para a recuperação dos biomas. Em junho de 2023, o MMA lançou o primeiro de uma série de editais de concessão destinados à recuperação de florestas e ao plantio de espécies nativas da Mata Atlântica. A ação é uma parceria do Serviço Florestal Brasileiro (SFB) com o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Na primeira etapa foram contempladas as Florestas Nacionais de Irati, no Paraná, e de Chapecó e Três Barras, ambas em Santa Catarina.