Pesquisadores medem fenômeno desde 2013 e, de forma inédita, conseguiram mapear diferença com termômetros colocados em dois locais da região metropolitana e medições feitas de forma simultânea a cada 20 segundos.
Por Thaiza Pauluze, GloboNews — São Paulo – 27/09/2023 – G1 e BE
Em setembro de 2023, o fenômeno conhecido como “ilha de calor”, faz os termômetros do Centro da capital paulista atingirem, em média, 7ºC a mais do que as áreas afastadas e menos habitadas da região metropolitana.
É o mês em que isso ocorre com mais intensidade, de acordo com um estudo inédito da USP (Universidade de São Paulo) obtido com exclusividade pela GloboNews e que deve ser publicado nas próximas semanas.
Os pesquisadores medem a ilha de calor paulista desde 2013 e, pela primeira vez, conseguiram mapear essa diferença no clima entre a área urbana e a rural, com termômetros colocados em dois locais da região metropolitana, e medições feitas de forma simultânea a cada 20 segundos.
Para registrar a temperatura urbana, foi escolhida a Sé, no Centro, local com grande adensamento de prédios e pouca vegetação. Já para saber o clima na área rural, o medidor foi colocado na Serra do Mar, entre os municípios de São Bernardo do Campo e Cubatão, distante 67 km do Centro e sem ocupação urbana.
Setembro é o mês com maior ilha de calor em SP

Ou seja, um dia de setembro pode registrar, ao mesmo tempo, 30ºC na região rural e 37ºC no Centro.
Quando considerado todo o ano, a conclusão foi a de que as duas áreas têm, em média, uma diferença de 4,7ºC.
“Em geral, a capital está cerca de 5ºC mais quente do que o entorno dela. Mas o máximo que a gente viu de ilha de calor foi de 16ºC”, diz o professor Amauri Pereira de Oliveira, que coordena o estudo.
Ele explica também por que setembro é o mês com a maior variação.
“É a transição entre inverno e verão. Ainda temos um clima seco e sem chuvas, característicos do inverno, e começamos a ter mais radiação, do início do verão. Isso faz com que a superfície seja mais aquecida e tenha maior retenção de calor”, diz.
Essa intensidade é menor em abril, quando a ilha de calor gira em torno de 3ºC.
“Uma das diferenças desse estudo é que a gente não mede o calor na superfície, no chão, a gente mede a temperatura do ar, na altura do pedestre, a 1,5 m, muito mais aproximado do calor que as pessoas realmente sentem”, explica Amauri.
Os pesquisadores também identificaram qual a principal causa da ilha de calor. Segundo eles, é o excesso de edificações, adensadas e verticalizadas, que são a marca da capital paulista.
Isso porque os prédios absorvem e armazenam 50% de toda a energia disponível na superfície (radiação solar e atmosférica, calor antropogênico, etc). Ou seja, são os principais responsáveis pelo aquecimento dos bairros. Outro causador do fenômeno é a frota de veículos que circula pelas ruas e também gera mais calor.
Já outros fenômenos atuam como moduladores da ilha de calor, a exemplo da brisa marítima, que vem do litoral, e diminui as temperaturas. “Sem ela, São Paulo não seria habitável”, diz Amauri. Além dos ventos e das chuvas.
“O objetivo fundamental desta pesquisa é que, uma vez que você entende o que está acontecendo, você pode estabelecer uma política de mitigação desse efeito”, explica o pesquisador.
Segundo ele, para diminuir a ilha de calor, a primeira ação precisa ser arborizar novamente os grandes centros urbanos. Além disso, diminuir a quantidade e a altura dos prédios. Outra medida que pode amenizar é pintar os edifícios de branco, cor que armazena menos radiação solar.
Já durante o inverno, a ilha de calor tem uma vantagem, lembra ele. Como o Centro está sempre mais quente, as pessoas sentem menos o efeito das baixas temperaturas.
“Esse é um efeito benéfico, especialmente para as pessoas que estão em situação de rua. Talvez esse efeito tenha salvado a vida de muitas pessoas que estavam dormindo nas calçadas”, diz Amauri.
Além dele, outros quatro pesquisadores do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da USP fazem parte do estudo — Georgia Codato, Maciel Piñero Sánchez, Lucas Cardoso Silveira e Janet Valdés Tito. Além de um pesquisador da Escola de Artes da USP, Flávia Noronha Dutra, um pesquisador da Universidade Federal da Bahia, Edson Pereira Marques Filho, e outro da Universidade Federal do Espírito Santo, Maxsuel Marcos Rocha.
As medições só foram interrompidas durante o período mais crítico da pandemia, em 2020 e 2021.
O estudo “Observational investigation of the urban heat island in the metropolitan region of São Paulo, Brazil” deve ser publicado nas próximas semanas.
Como funciona a ilha de calor?
O mecanismo por trás das ilhas de calor é bastante simples. Durante o dia, as superfícies presentes nas cidades absorvem o calor irradiado pelo Sol. Algumas dessas superfícies, em função das propriedades do material de que são formadas e também pela sua coloração mais escura, tendem a absorver maior quantidade de calor do que outras.
Em contrapartida, elas possuem baixa capacidade de dissipação de energia, o que auxilia no aquecimento do ar próximo. O calor emitido pelas atividades humanas, mais intensas durante o dia, contribui também para esse aumento de temperaturas, que pode proporcionar uma diferenciação de 3 ºC até 7 ºC em relação à zona rural.
Durante a noite, quando comumente ocorre a maior dissipação de energia, o calor fica aprovisionado próximo da superfície em decorrência da poluição atmosférica e do curto espaçamento entre as edificações, que impede a circulação do ar. Com isso, o fenômeno da ilha de calor é perceptível nas cidades mesmo após o anoitecer.
Possíveis soluções para a ilha de calor
Com o crescimento das cidades e a expansão do tecido urbano, é inevitável que ocorra a ampliação das superfícies propensas à absorção de calor. Ainda assim, a adoção de algumas medidas pode auxiliar na ocorrência de temperaturas mais amenas nas cidades e na eventual mitigação das ilhas de calor:
- Plantio de árvores e criação de novos espaços verdes nas cidades, como parques e bosques;
- Adoção de materiais reflexivos em prédios e edifícios, bem como a utilização de telhados ecológicos (ou telhados verdes), que auxiliam na sensação de maior conforto térmico;
- Utilização de pavimento permeável;
- Estratégias que visem à redução da emissão de gases poluentes na atmosfera;
- Planejamento urbano a fim de aumentar o espaçamento entre novas construções, permitindo o melhor fluxo natural dos ventos;
- Utilização de cores mais claras nas construções, aumentando, assim, a irradiação de energia.
Consequências da ilha de calor
O aquecimento das áreas urbanas impacta diretamente na qualidade de vida e no bem-estar da população que vive nas cidades e gera consequências de médio e longo prazo para o meio ambiente.
Com isso, pode haver:
- Piora na qualidade do ar e da água, tanto na cidade quanto nas áreas rurais que a circundam, pela emissão de gases poluentes na atmosfera e potencial ocorrência de chuvas ácidas;
- Contribuição para a intensificação do efeito estufa em decorrência da poluição atmosférica;
- Aumento da temperatura das águas que deságuam em rios e mananciais locais, causando desequilíbrio do ecossistema aquático e podendo levar à morte de espécies adaptadas a temperaturas mais baixas;
- Aumento do consumo de energia (uso de ar-condicionado, ventiladores, freezers), sobretudo nas grandes cidades, o que aumenta a demanda e, por conseguinte, a sobrecarga do sistema elétrico;
- Queda da umidade relativa do ar;
- Surgimento de problemas de saúde associados às ondas de calor e à degradação da qualidade do ar e das águas;
- Redução do conforto térmico e piora na qualidade de vida nas cidades.
EM RESUMO:
- Ilhas de calor são um fenômeno climático urbano caracterizado pela ocorrência de maiores temperaturas nas cidades em relação aos seus arredores.
- Ilhas de calor ocorrem em função da concentração de materiais que absorvem mais calor e possuem baixa capacidade reflexiva, como asfalto e concreto, do adensamento de prédios, que bloqueia o fluxo de ar, da atividade antrópica e da escassez de vegetação e corpos d’água.
- Ilhas de calor pioram a qualidade de vida nas cidades devido à maior poluição do ar e a doenças associadas às elevadas temperaturas e à qualidade do ar e da água; alteram o microclima; e podem prejudicar os ecossistemas aquáticos pela elevação da temperatura das águas.
- Entre soluções para esse fenômeno, podemos citar a adoção de materiais mais claros e permeáveis nas cidades, de telhados ecológicos ou reflexivos, e a ampliação das áreas verdes.
- A grande emissão de gases poluentes, como por meio de veículos e da atividade industrial, faz com que haja a retenção de calor próximo da superfície, aumentando a temperatura dessas áreas, o que é causado igualmente pelas atividades humanas.
- Contribui para a formação de ilhas de calor também a escassez de elementos naturais, como a ausência vegetação nas áreas urbanizadas e a menor ocorrência de corpos d’água que foram ou canalizados ou suprimidos gradualmente pela expansão do tecido urbano.
ATIVIDADES:
Individualmente, em folha timbrada:
- Monte um mapa mental das situações apresentadas na reportagem.
- Tendo em vista os termos destacados em amarelo, elabore um texto explicativo, com linguagem científica, que relacione os efeitos e as consequências da gentrificação com a intensificação das ilhas de calor em São Paulo. Em seu texto, estabeleça um paralelo entre as áreas arborizadas (e a consequente variação da temperatura) e as regiões com maior índice de poluição na cidade, como o Parque do Ibirapuera (leia aqui).